terça-feira, 6 de outubro de 2009

Sobre Honduras, e a inevitabilidade de mudanças

Artigo traduzido do espanhol, disponível em Via Política, acessado em 06/outubro/2009 (clique no título pra visitar no local de origem):
Honduras: A Constituição ilegítima
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Por Jorge Majfud
Tradução do espanhol para o português de Vera Vassouras Uma constituição que estabeleça sua própria imutabilidade está confundindo sua origem humana e precária com uma origem divina. A disputa dialética sobre a legalidade do violento processo de destituição e expulsão do presidente de Honduras não está fechada. Há meses expusemos nosso ponto de vista, segundo o qual não houve violação à constituição por parte do presidente Zelaya no momento de convocar uma consulta não vinculante sobre uma assembléia constituinte. Porém, no fundo esta discussão é vã e encobre outro problema em sua raiz: a resistência de uma classe e de uma mentalidade que modelou os estamentos de sua própria República bananeira, e busca desesperadamente identificar qualquer mudança com o caos, ao mesmo tempo em que impõe a repressão de seu povo e dos meios de comunicação que lhe são adversos. O principal argumento dos golpistas em Honduras radica em que a constituição de 1982 não permite mudanças em seu texto (artigos 239 e 374) e estabelece a remoção de seus cargos daqueles que as promovam. A Lei de Participação cidadã de 2006, que promove as consultas populares, nunca foi acusada de inconstitucional. Pelo contrário, a participação popular é uma prescrição da mesma constituição (artigo 45). Tudo o que revela o espírito escolástico de seus redatores, matizado com uma linguagem humanística. Nenhuma norma, nenhuma lei pode estar acima da constituição de um país. Entretanto, nenhuma constituição moderna foi ditada por Deus, mas sim por seres humanos em benefício próprio. Ou seja, nenhuma constituição pode estar acima de um direito natural como é a liberdade de um povo para mudar. Uma constituição que estabeleça sua própria imutabilidade está confundindo sua origem humana e precária com uma origem divina, ou está pretendendo estabelecer a ditadura de uma geração sobre todas gerações por vir. Se este princípio de inamobilidade tivesse algum sentido, deveríamos supor que antes que a constituição de Honduras seja modificada, Honduras deveria desaparecer como país. Do contrário, dentro de mil anos esse país deverá reger-se pela mesma letra. Já os ortodoxos religiosos quiseram evitar mudanças no Alcorão e na Bíblia contando o número de palavras. Quando as sociedades e seus valores mudam e não se pode mudar um texto sagrado, salva-se o texto interpretando a favor dos novos valores. Isto fica demonstrado pela proliferação de seitas, ismos e novas religiões que surgem de um mesmo texto. Porém, em um texto sagrado, a proibição de mudanças, ainda que sendo impossível, está melhor justificada, já que nenhum homem pode emendar a letra de Deus. Essas pretensões de eternidade e perfeição não foram raras nas constituições latino-americanas que, no século XIX, pretenderam inventar repúblicas, em lugar de que os povos inventassem suas próprias repúblicas e as constituições à sua medida e segundo o pulso da história. Se nos Estados Unidos ainda está vigente a constituição de 1787, isso se deve a sua grande flexibilidade e a suas muitas emendas. Não fosse assim, hoje este país teria três quartas partes de um homem na presidência, um quase-humano. “Esse negrinho ignorante”, como o chamou o ex-chanceler de fato Enrique Ortez Colindres. Se isso fosse pouco, o artigo V da famosa constituição dos Estados Unidos proibia qualquer mudança de status constitucional referente aos escravos. O resultado de uma constituição como a de Honduras não é outro que sua própria morte, prévio derramamento de sangue, mais cedo ou mais tarde. Aqueles que alegam defendê-la, fazem-no com a força das armas e com a estreita lógica de um conjunto de normas que violam um dos direitos naturais mais básicos e irrenunciáveis. Há séculos, os filósofos que imaginaram e articularam as utopias que hoje se chamam Democracia, Estado e Direitos Humanos disseram-no de forma explícita: nenhuma lei está acima desses direitos naturais. E, se assim se pretendeu, a desobediência está justificada. A violência não procede da desobediência, senão de quem viola um direito fundamental. Para tudo o mais, está a política. A negociação é a concessão que fazem os fracos. Uma concessão conveniente, inevitável, porém, a longo prazo, sempre insuficiente. Uma democracia madura implica uma cultura e um sistema institucional que preveja as rupturas das regras do jogo. Mas ao mesmo, e por isto mesmo, uma democracia se define por permitir e facilitar as inevitáveis mudanças que vem com uma nova geração, com a maior consciência histórica de uma sociedade. Uma constituição que o impeça é ilegítima diante do inalienável direito à liberdade (de mudar) e à igualdade (de decidi-lo). É papel, é um contrato fraudulento que uma geração impõe a outra em nome de um povo já inexistente. 4/10/2009 Fonte: ViaPolítica/Tlaxcala/O autor Artigo original divulgado em 30 de setembro de 2009 Mais sobre Jorge Majfud Visite o site do autor em http://majfud.50megs.com/ Jorge Majfud é um autor associado à Tlaxcala, a rede de tradutores pela diversidade lingüística. Esta tradução pode ser reproduzida livremente na condição de que sua integridade seja respeitada, bem como a menção ao autor, à tradutora e à fonte. URL deste artigo em Tlaxcala: http://www.tlaxcala.es/pp.asp?reference=8849&lg=po

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