"BATISMO DE SANGUE" VAI ALÉM DA SALA ESCURA HELVÉCIO RATTONMeu filme "Batismo de sangue" vem provocando polêmica. Para algumas pessoas que escrevem sobre cinema, o filme "peca pelo didatismo" ou mostra "cenas apelativas de violência". São afirmações superficiais, marcadas pelo preconceito contra um filme que não se prende a modismos nem segue a cartilha do vanguardismo de butique. Um filme consistente que dispensa malabarismo de câmera ou armadilhas de roteiro. "Batismo de sangue", baseado no livro homônimo de Frei Betto, trata de acontecimentos verídicos, passados entre entre 1963 e 1974. filme tem censura 14 anos está aberto a espectadores mais jovens, que desconhecem o que se passou naqueles anos. O letreiro que abre o filme e situa historicamente período da ditadura, assim como outras informações passadas de forma orgânica no desenrolar da narrativa, tem a função de contextualizar os acontecimentos. Não queremos dar aula de História para ninguém, mas mostrar o fundo onde se recortam os personagens e suas ações. Isso é óbvio para quem assiste ao filme sem pedras na mão, mas a verdade é que algumas pessoas que escrevem sobre cinema têm profunda antipatia por filmes abertos ao público. Para essas pessoas, os filmes devem ser cifrados, numa tal demonstração de inteligência e sofisticação que só os iniciados sejam capazes de decifrar.Confundem o simples, tão difícil de alcançar, com o simplório. "Batismo de sangue" condensa uma extensa pesquisa histórica realizada em documentos oficiais, nos testemunhos de quem viveu os fatos narrados, em livros sobre o período, arquivos de fotos, noticiários de TV, jornais, revistas, filmes rodados na época e documentários. Foram camadas e camadas de informação que alimentaram o roteiro, a direção de arte, o figurino, a fotografia, o elenco. Tudo isso está no filme, mas sem exibicionismo. "Batismo de sangue" quer prender a atenção do público bem informado, capaz de perceber todos estes detalhes, e a dos jovens, para quem o filme se explica por si só, sem que necessitem informações de fora para compreendê-lo. Quanto à tortura, não foi o filme que a inventou. A tortura aconteceu num grau de brutalidade e sadismo muito maior do que está mostrado. O cinema dos dias de hoje avançou e muito os limites do realismo. Tomemos como exemplo os filmes de Tarantino, onde a violência atravessa toda a narrativa de forma injustificada e estúpida. Mas por que será que não taxam de apelativa a violência desses filmes? Porque esta violência é importada com o rótulo de "cult", de "fashion". A violência do "Batismo de sangue" dói porque é eficiente enquanto cinema e porque aconteceu. Só que não havia sido revelada de forma contundente no cinema, e "Batismo de sangue" é o primeiro filme a fazer isso. Em "Pra frente Brasil", o protagonista é preso por engano e seus torturadores são mostrados como se fossem exceção, monstros, ao contrário do "Batismo de sangue", onde são a regra. A tortura a que foram submetidos os freis Fernando e Ivo durou um dia e uma noite, no filme dura poucos minutos. Frei Tito foi torturado durante três dias e três noites. As equipes de torturadores, funcionários do regime militar, revezavam-se e faziam hora extra. No filme, as torturas a que Frei Tito foi submetido aparecem na forma de rápidas visões. Suavizar a violência sofrida pelos dominicanos, torná-la mais palatável, seria uma traição à memória de Tito e ao testemunho daqueles que estão vivos. Já estava mais do que na hora de abordar esses acontecimentos com verdade e audácia, como fizeram nossos vizinhos. Em um debate sobre o filme, disse um estudante que achava que esses fatos haviam acontecido no Chile e na Argentina, que para ele nossa ditadura tinha sido light. O comentário desse jovem deixa claro que nossos filmes sobre o período ficaram na ante-sala. "Batismo de sangue" desce ao inferno à procura de luz, para escancarar com suas imagens realistas a violência impune praticada pela ditadura militar contra seus desafetos. "Batismo de sangue" extrapola os limites da sala escura do cinema e dialoga sobre nossa vida enquanto nação, nosso passado ainda presente, nossos mortos insepultos. Um filme que corre riscos ao retratar personagens vivos e fatos acontecidos há pouco tempo. Um filme que após sair das salas de cinema continuará sendo discutido em outras salas por esse Brasil afora. Construído com delicadeza e contundência, "Batismo de sangue" emociona e faz pensar.
sábado, 7 de julho de 2007
Batismo de Sangue, o filme
Ainda sobre o "Batismo de Sangue, a opinião do diretor Helvécio Ratton, direto do Canto do Inácio
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