quarta-feira, 7 de março de 2007

Com Fogaça, Porto Alegre mudou para pior - Porto Alegre e o lixo

Mais um artigo sobre os dois desastrados anos do (des)governo Foçaça:


Apoteose da incúria: A Gestão de Resíduos Sólidos em Porto Alegre *

por Arnaldo Dutra - Engenheiro agrônomo e ex-diretor do DMLU

"A história do DMLU é vinculada à história de Porto Alegre, até porque a Autarquia amalgamou-se de tal forma à vida diária da população que se poderia dizer que uma é o prolongamento ou complemento da outra. E nem poderia ser diferente, porque produzir resíduos é inerente ao ser humano e destina-los adequada e satisfatoriamente é a razão da existência do Departamento".

A construção do modelo de gestão para a limpeza pública de Porto Alegre foi o principal desafio de uma administração que se iniciava dentro de um caos na limpeza pública deixado pelos antigos governos: lixões a céu aberto e esgotados, vilas e periferias imundas e sem coleta regular, desleixo com a cidade formal, condições de trabalho desumanas, despreparo técnico, corpo funcional desmotivado e a quase inexistência de maquinário e equipamentos. Este era o DMLU em 1988. Por acreditarmos no serviço público, ao invés de lamentos e denúncias, construímos soluções para os problemas do Departamento e para a qualificação da limpeza da cidade. A constatação da necessidade de que qualquer forma de tratamento não poderia ser dissociada do complexo geração-coleta, e que este deveria integrar as diferentes etapas, propiciando a adoção de técnicas de baixo custo, exeqüíveis do ponto de vista operacional e, principalmente, orçamentário, produziu de forma pioneira o hoje consagrado Sistema Integrado de Gerenciamento de Resíduos Sólidos de Porto Alegre que estruturou, planejou e implantou os programas, projetos e ações que levaram o DMLU a ser referência nacional e internacional.

A Destinação Final e Reaproveitamento era, certamente, a área mais caótica e não visível do problema existente - lixões a céu aberto, resíduos de saúde sem nenhum controle, resíduo industrial, que não recebiam a destinação adequada. Para a efetivação deste desafio, o DMLU implantou a Divisão de Destino Final, responsável pela viabilização destes projetos. A recuperação das áreas degradadas por lixões e o planejamento de novas áreas para a destinação dos resíduos sólidos urbanos tornaram-se uma prática no DMLU. Os aterros sanitários projetados e construídos neste período sempre tiveram licenciamento ambiental, projetos de engenharia adequados, monitoramento e controle ambiental.

Paralelamente à correta destinação, iniciou-se uma série de programas integrados de reaproveitamento e reciclagem envolvendo a coleta seletiva, a organização de catadores informais em associações e galpões de triagem para a geração de trabalho e renda, o reaproveitamento de resíduos de alimentos para a utilização na suinocultura, e a compostagem de parcela da fração orgânica com a construção da Unidade de Triagem da Lomba do Pinheiro, concatenadas numa política de inclusão social.

Na Coleta de Resíduos Sólidos, implantou-se a coleta regular em toda a cidade, estendendo-a para a periferia e zona rural e construindo um programa específico para as vilas populares, o serviço de Coleta em Vilas. Com este serviço implantou-se a coleta regular nas vilas, antes atendidos pela "lixeira comunitárias". A Coleta Especial foi otimizada dando uma alternativa de qualidade para os resíduos especiais (industriais e de saúde) e gerando novos recursos para o DMLU e possibilitando o controle efetivo dos resíduos gerados na cidade.

A qualificação da Limpeza Pública englobou um programa de descentralização dos serviços com o objetivo de aproximar os serviços da comunidade e os executores dos serviços das demandas. Para isso, o DMLU estruturou-se em nova seções de limpeza. Hoje, não há lugar na cidade onde os próprios do DMLU não sejam referência para a população constituindo-se num canal de comunicação não só com o departamento mas com a Prefeitura como um todo. Os sanitários públicos foram recuperados, qualificados e ampliados em número atendendo uma demanda da cidade e reaproveitando como zeladores, os funcionários mais antigos, que, devido a penosidade do trabalho que prestaram a cidade, já não podiam realizar as tarefas mais pesadas.

Em conjunto com os funcionários, a Administração também projetava o DMLU do futuro, através de projetos como o novo aterro sanitário no município de Porto Alegre, a ampliação do aterro sanitário de Gravataí, a conteinerização da coleta domiciliar, e o Eco Parque Porto Alegre, um projeto inovador que, além de tratar todo lixo, possibilitava a geração de mil postos de trabalho, produção de energia elétrica e obtenção de receita através da venda dos créditos de carbono.

Foi a partir da implantação do Gerenciamento Integrado que o DMLU tornou-se referência nacional e internacional e a limpeza da cidade de Porto Alegre passou a ser objeto de elogios dos turistas que nos visitavam e motivo de orgulho para a população porto-alegrense. Este era o DMLU em 2004.

2005 - O Ano do Diagnóstico

A primeira intervenção do recém empossado governo municipal frente ao problema recebeu o pomposo nome de "Diagnóstico da Limpeza Urbana em Porto Alegre". Tratava-se, na verdade, de um documento de uma página de texto e três folhas com fotografias descontextualizadas apresentando um trabalho desqualificado, parcial e, porque não dizer, pueril.

Na realidade, este diagnóstico nada mais era que a construção de uma falsa realidade para justificar uma proposta, que já era implementada mesmo antes da elaboração deste, e que tinha um único objetivo: a entrega dos serviços de limpeza pública, coleta e destinação dos resíduos a uma grande e única empresa.

O sucateamento do DMLU se deu durante 11 meses de forma consciente e premeditada e atingiu não só seu maquinário, mas principalmente seu corpo funcional, em especial o corpo técnico, que foi desvalorizado e convidado a deixar o Departamento ou simplesmente esquecido. O golpe derradeiro veio na previsão do orçamento. Enfim, estávamos diante de um planejado e contínuo processo de desmonte. Vejamos:

O DMLU realizou em 2004, um ano considerado já bastante difícil, R$ 99.560.437,00 em despesa. Em 2005, a atual administração previu diminuir estes gastos para R$ 96.364.588,00 e propuseram para 2006 uma despesa de R$ 96.616.756,00. Ou seja: em dois anos, verificamos uma diminuição de mais de R$ 6.000.000,00 (seis milhões de reais) nas despesas do DMLU, valor suficiente para a recuperação e substituição dos maquinários com problemas.

2006 - O Ano da Licitação

O cenário estava perfeito: frota sucateada, funcionários humilhados e taxados de "alcoólatras", orçamento reduzido, imprensa favorável divulgando amplamente a idéia do "choque de gestão". Faltava apenas lançar o edital e consumar o fato. Mas quando esta peça de duas mil páginas foi tornada pública, percebeu-se a sua inconsistência e o seu direcionamento. Tão gritantes eram os seus problemas que ninguém foi capaz de sustentá-lo. Assim, a famosa licitação que prometia "modernizar o serviço de limpeza urbana de Porto Alegre" foi parar na Justiça sendo posteriormente anulada.

A Gestão de Resíduos Sólidos na Capital

Basta andar pelas ruas de Porto Alegre para ver que não existe mais gestão. O que temos são algumas empresas terceirizadas executando serviços sem nenhum tipo de planejamento, com foco concentrado nas grandes avenidas e esquecendo quase que por completo os bairros e as vilas da cidade. A modernização não passou da entrega total de serviços como capina, varrição, roçada, coleta de vilas, coleta seletiva e coleta especial para algumas empresas privadas, em sua maioria com contratos emergenciais, ferindo os princípios básicos de uma boa administração pública.

A coleta em vilas e em locais de difícil acesso, que antes era realizada nos mesmos moldes e periodicidade do resto da cidade, hoje, segundo as lideranças comunitárias, chega a ficar 15 dias sem ser realizada em alguns locais. Programas como o "Bota-Fora", que desenvolvia uma relação humanizada e educativa com as famílias mais carentes apostando na construção de uma nova cultura de saúde e preservação ambiental, foram suspensos sob alegação de falta de recursos. Quem sabe os alagamentos de janeiro tenham muito mais relação com a deficiência dos serviços púbicos do que com a falta de educação do povo, que segundo os atuais gestores jogam "lixo" nos arroios. A coleta especial, que atuava nas indústrias, no comércio e nos hospitais, e que mantinha um controle sobre os resíduos gerados constituindo-se numa importante fonte de renda, foi entregue para iniciativa privada, seus equipamentos foram criminosamente sucateados e todo corpo funcional espalhado pelas diferentes secretarias da prefeitura.

A coleta seletiva, pioneira e modelo para todo o Brasil, está seguindo o mesmo caminho. A destinação final e o tratamento dos resíduos que antes eram gerenciados pelo quadro técnico do Departamento, foi hoje entregue na sua totalidade para uma empresa privada. Assim, toda a quantidade de lixo produzida diariamente em nossa cidade (mais de mil toneladas) está sendo levada para um município vizinho, distante 80Km da capital, onde, em sua totalidade, é colocada num aterro sanitário. O projeto do consórcio metropolitano que desenvolvíamos em parceria com outros municípios, apesar de ser bem mais barato, foi completamente abandonado. Uma verdadeira Apoteose da Incúria é a gestão de resíduos sólidos na capital. Este é o DMLU de 2006.

Deixando a cidade suja e mal cuidada, a atual administração trabalha o conceito de "estado obsoleto" para construir no imaginário popular a necessidade de "modernização" onde não existe espaço para o servidor público nem para a população carente, que é quem mais necessita dos serviços públicos. Para este gestores só se moderniza privatizando.

Em nossa memória está o quanto a Limpeza Urbana era elogiada pelo cuidado da cidade, pela construção de políticas corretas como a separação do lixo, os galpões de reciclagem gerando renda e um ambiente sustentável, pelo fim dos lixões e a construção de aterros sanitários modernos, respeitosos ao meio ambiente e à dignidade humana. Na memória dos funcionários municipais estão as promessas de valorização do funcionalismo, a capacidade que só um corpo funcional próprio tem de acumular conhecimento e construir novas políticas na relação com a população para resolver os problemas de cada comunidade. Na memória da cidade estão as promessas de campanha de manter o que era bom e de mudar o que era preciso.

* Texto constante do caderno "Com Fogaça, Porto Alegre mudou para pior - Balanço crítico 2005-2006", organizado pelo Diretório Municipal do PT

Nenhum comentário: