domingo, 18 de março de 2007

Esse artigo achei no NovaE , e achei bom de divulgar. À leitura, então:

Nossa razão de ser

Marcelo Salles, do Fazendo Média
De vez em quando é bom voltar ao assunto e falar sobre a razão de ser desta pequena iniciativa de mídia alternativa. Ajuda a não perder o foco. E serve para esclarecer dúvidas, como a do caro leitor Allan Machado, que pergunta por que só criticamos a Globo e não falamos das outras emissoras.
Falamos, sim, Allan. Leia a matéria Viva a criança viva, por exemplo. Mas reconheço que a Globo aparece aqui com mais freqüência, por uma razão muito simples: trata-se da maior corporação de mídia brasileira. As Organizações Globo possuem mais de cem empresas e, segundo o Ibope, a TV Globo tem 40% da audiência e 70% das verbas publicitárias, números que já chegaram a 69% e 90%, respectivamente, durante a Copa do Mundo, de acordo com a própria emissora.
Portanto, não falar da Globo é impossível. Quem discute mídia e não considera esses números e seus significados, brinca de discutir mídia. Vou mais além: quem discute política sem levar este dado em conta, brinca de discutir política. Como escreveu o sociólogo e escritor Gilberto Felisberto Vasconcellos, no livro O Príncipe de Moeda: "Hoje, a crítica à dominação política é indissociável da crítica à indústria cultural sob a égide da TV Globo" (página 82, Editora Espaço e Tempo).
Isto por duas razões muito simples. A primeira refere-se à ilegalidade dessa situação, que fere o artigo 220 da Constituição Federal, cujo texto proíbe monopólio ou oligopólio nos meios de comunicação social. Ou seja, os piratas, os fora-da-lei são eles. A segunda pressupõe a compreensão de que a mídia tem a capacidade de moldar percepções, de influenciar escolhas, determinar padrões de comportamento, etc. Enfim, ela produz grande parte da subjetividade que vai influenciar a forma de viver dos indivíduos e, por extensão, das sociedades em que estão inseridos.
Para piorar, as únicas sete emissoras de TV abertas estão ideologicamente afinadas e operam num país onde apenas 26% do povo compreendem o que lêem, segundo pesquisa realizada em 2005 pelo Instituto Paulo Montenegro. Ou seja, a grande maioria está sujeita aos encantos de uma mesma linhagem de programação, produzida com os mesmos conceitos e a partir das mesmas fontes (estão aí as imagens repetidas do Oriente Médio que não me deixam mentir).
Por isso nosso foco é a democratização da comunicação. Para que uma sociedade seja democrática de fato é preciso que os distintos setores que a compõem tenham o mesmo direito de se expressar. Operários, camponeses, estudantes, sindicalistas, aposentados, associações de moradores, etc. Todos devem receber a mesma quantidade de verba publicitária pública destinada às atuais concessionárias, além da mesma qualidade do sinal. Não tem essa de uma emissora sintonizar melhor que a outra.
Somente quando esse equilíbrio estiver estabelecido será válido o argumento canalha de certos executivos pertencentes ao oligopólio que controla a mídia no Brasil. Quando a programação de suas empresas é criticada, eles costumam dizer: "Não gostou, muda de canal". Discurso este que não difere em sua essência do autoritarismo binário contido no "ame-o ou deixe-o" da ditadura. O que é bastante compreensível, levando-se em consideração que o Estado autoritário nasce atrelado à Rede Globo e assim permanece durante toda a sua existência.
Como registrou Eugenio Bucci, no livro Brasil em Tempo de TV: "O que temos hoje no Brasil, na era da globalização, é ainda o produto daquele velho projeto autoritário: a gente brasileira, condenada à desigualdade, com a pior distribuição de renda do mundo, é o país que vibra unido na integração imaginária: na Copa do Mundo, no final da novela, na morte do ídolo do automobilismo, na ’festa cívica’ das eleições presidenciais. Não por acaso, todos esses momentos de confraternização são espetáculos de TV" (página 17, editora Boitempo).
Agora, por exemplo, estamos assistindo ao espetáculo da manipulação de um crime bárbaro com o objetivo de pressionar por leis mais duras, pena de morte, redução da maioridade penal e todo o receituário neoliberal voltado para a população de baixa renda que porventura venha a cometer algum delito. A mídia constrói a imagem de que "apenas três anos" não são suficientes para que um jovem fique preso, como se desconhecesse todo tipo de barbaridade a que esses infelizes serão submetidos dentro da Febem ou dos presídios brasileiros.
Mas este é apenas um exemplo, entre tantos outros, como o sutil apoio editorial ao terrorismo de Estado promovido pelos EUA, as distorções nas informações relativas a países como Cuba, Bolívia e Venezuela, a sustentação de um pensamento único para o modelo econômico a ser seguido e a criminalização dos movimentos sociais organizados.
O que questionamos não é a existência de uma mídia que defenda essas posições. Afinal de contas, ela representa parte da sociedade brasileira. Mas não é possível que todas as emissoras de rádio e TV e todos os jornais de grande alcance e a esmagadora maioria das revistas estejam desse lado. É preciso haver pluralidade. E para que isso aconteça de maneira significativa, é preciso que o governo federal assuma essa responsabilidade. Por mais que setores da sociedade se organizem em torno de rádios comunitárias e outras iniciativas, somente a mobilização do Estado poderá garantir a verdadeira democratização dos meios de comunicação e, conseqüentemente, do país.
E, ressalve-se: assumindo a dianteira da democratização da mídia brasileira, o governo não estará fazendo mais do que sua obrigação. São verbas públicas que ele administra. São nossos impostos. Já é hora de perguntar: o governo Lula pretende cumprir suas promessas de implementar políticas nesse sentido ou foram discursos vazios de quem estava sendo fustigado durante as últimas eleições?
02.2007

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