quarta-feira, 7 de março de 2007

Com Fogaça, Porto Alegre mudou para pior - Finanças da PMPA

Paulo Müzell, municipário, membro do CORES e colaborador do blog, escreve sobre as finanças municipais. O texto é longo, mas vale a pena ler até o final, pois esclarece muitas dúvidas, e insere novas questões a serem equacionadas. Por esse motivo, reproduzo na íntegra. Boa leitura!

Finanças da Prefeitura de Porto Alegre: Retrospectiva histórica e perspectivas *

por Paulo Müzell - Economista

O presente artigo pretende contribuir para a discussão das finanças municipais e responder a algumas questões: como evoluíram as finanças municipais dos anos setenta até hoje? Quais são as perspectivas para a economia e para as finanças da cidade nos próximos anos? Será possível atender às crescentes demandas da população?

Fica evidente que as limitações de espaço impostas por um artigo nos permitirão esboçar apenas um painel com as características gerais mais marcantes de cada período. Nestas três últimas décadas ocorreram profundas transformações quantitativas e qualitativas na estrutura orçamentário-financeira e nas funções executadas pela Prefeitura. Os anos setenta encerram um ciclo de consistente nível de investimentos sustentado, em boa parte, por transferência de recursos federais. A Prefeitura concentrava suas ações nas áreas tradicionais - sistema viário, iluminação pública, sinalização de trânsito, coleta de lixo, abastecimento d'água, coleta de esgotos. A atuação na área social (saúde e educação) era muito pequena, correspondendo a pouco mais de 10% da despesa total. A principal característica da década seguinte, os anos oitenta, é a significativa expansão das ações na área social, especialmente na educação. A receita municipal cai em termos reais, há significativo aumento do número de servidores, resultando na aguda crise fiscal do biênio 1987/1988, com o conseqüente sucateamento do parque de equipamentos e da frota de veículos da Prefeitura. Há, também, sensível queda do volume e da qualidade dos serviços prestados à população, além da corrosão dos salários dos municipários.

O ano de 1989 marca o início de um novo ciclo, o da Administração Popular, que vai durar 16 anos. O reajuste concedido pelo prefeito anterior (Alceu Colares, 1986/1988) que vigorou a partir de 1º de janeiro de 1989, faz com que o pagamento da folha do ano comprometesse 105% do valor da receita corrente total. E o exercício de 1989 marca, também, o começo da extraordinária recuperação das finanças municipais, materializada no triênio 1990/92. A reforma da Constituição Federal de 1988 possibilita uma reforma tributária municipal, assentada no lema "quem tem mais paga mais". No primeiro ano do governo Olívio Dutra foram enviados à Câmara Municipal e aprovados 14 projetos. Nos três anos seguintes a receita, descontada a inflação duplicou, dando sustentação à bonança que caracteriza o período seguinte (1993/2001), marcado pela grande expansão dos serviços, elevado nível de investimentos e equilíbrio fiscal.

Se a década de oitenta foi da educação, os anos noventa, especialmente na sua segunda metade, foram da saúde. Em 1995 se inicia, timidamente, a municipalização da saúde. A transferência dos recursos do SUS se acelera muito rapidamente e apenas três anos depois, em 1998, seu montante já representava cerca de um terço da receita corrente total do município. Mas a partir de 2002, sobretudo, as transferências do SUS começam a declinar sensivelmente, chegando a representar menos de metade do valor do "pico". Aliás, o ano de 2002, o último do governo FHC2 é marcado por uma forte crise cambial. A disparada do dólar faz com que a inflação medida pelo IGP-M (FGV) atinja 28,5%, contra apenas 12,5% do IPCA. A Prefeitura tinha os reajustes bimestrais da folha e os contratos de serviços de terceiros indexados pelo IGP-M. A despesa sobe às alturas sem que ocorra o correspondente aumento da receita. As duas principais fontes de receita próprias - o IPTU e o ISSQN - têm comportamento discreto. A principal transferência, o retorno do ICMS, tem, também, desempenho negativo, decorrente das sensíveis quedas dos índices de retorno do ICMS/POA, ocorridas a partir do último "pico" (ano 2000); índice de 2007 é 22% menor. O resultado é a suspensão a partir de 2003 dos reajustes do funcionalismo, cujo "congelamento" perdura até o final de 2004. Cai o nível do investimento e o atendimento das demandas do OP, fatos que têm, é claro, íntima relação com o resultado eleitoral que escolhe outro projeto político para governar a cidade a partir de 2005.

Neste final de 2006, decorridos quase dois anos do governo Fogaça, os resultados são muito ruins. Houve, é verdade uma discreta recuperação da receita, que cresceu no biênio 2005/ 2006 a uma taxa de 4%, real, descontada a inflação, medida a partir de um patamar baixo, a receita de 2004. O investimento caiu sensivelmente. O montante de 2004, a preços atuais atingiu 161 milhões e reduziu-se para 109 milhões em 2005 (-32%) e apesar da pequena recuperação de 2006 (investimento de 135 milhões), ficou ainda 16% abaixo de 2004. O governo Fogaça alega que atendeu 199 demandas do OP. A ONG Cidade realizou pesquisa junto ao Conselho do Orçamento Participativo (COP) e apurou um número bem mais modesto: apenas 48 demandas atendidas! O SIMPA, o sindicato dos servidores, reclama do fim da bimestralidade e da recusa do governo de sequer discutir uma forma de reposição das perdas passadas, calculadas em 15%.Os servidores reclamam, também, do não pagamento da correção dos salários dos níveis 2 e 3, do corte de horas extras e do vale-dobra, que atinge a base da pirâmide salarial, o que contrasta com a "generosidade" com que são tratados os do "topo", beneficiados por aumento de jetons ( que atingiram 900%!!), pela criação de gratificação especial e de gratificação fazendária (GRF). Não há quaisquer dúvidas: este é um governo que investe muito pouco, que fez o ajuste fiscal pelo lado da despesa, beneficiado que foi pela contenção da principal despesa - a folha de pessoal - decorrente do "congelamento" ocorrido no biênio 2003/2004 - e do aumento da contribuição previdenciária.

A indagação seguinte, que encaminha o final deste artigo é: quais são as perspectivas, nos próximos anos, para a economia e para as finanças de nossa cidade? Haverá recursos para atender às crescentes demandas sociais, não só as "velhas", históricas, tradicionais como a habitação popular, saúde e educação, mas também as "novas", que exercem crescente pressão sobre o poder público municipal, como a assistência social e a segurança pública, por exemplo?

Os números da Fundação de Economia e Estatística (FEE) informam um comportamento bastante negativo da economia da cidade nos últimos anos. Entre 1999 e 2003 a participação de Porto Alegre no PIB gaúcho caiu de 14,5% para 11,4%, uma queda de 21%. O preocupante é que se reduz a nossa produção industrial e, também, a participação do nosso setor terciário na economia estadual. Nosso "pib per capita" ocupava o 266º lugar no ranking cidades gaúchas, sendo 14% inferior à média do Estado. Neste final de dezembro foram divulgados os dados de 2004 que são, novamente, negativos. A participação de Porto Alegre no PIB estadual diminui 2,6%; dentre as principais cidades brasileiras passamos do 10º para o 13º lugar. Nossa capital empobrece, sua economia perde vitalidade. A discussão urgente, imediata é como montar e implementar programas e ações de governo capazes de reverter esse quadro. A queda do PIB da cidade afeta as duas mais importantes receitas do município: o ISSQN e o retorno do ICMS. Excluindo-se a grande receita de transferência vinculada, o SUS, essas duas fontes respondem por quase da metade da receita municipal. Embora a receita do ISSQN tenha tido nos últimos anos comportamento positivo, decorrência da ampliação da sua base de incidência ocorrida em 2003, a questão que se coloca é até quando este crescimento se sustentará, sem ser afetado pelo fraco desempenho do setor serviços da cidade. E a redução do PIB total tem, também, diminuido sensivelmente os índices de retorno do ICMS/POA, conforme já foi observado. A terceira grande fonte de receita da Prefeitura, o IPTU, tem, sim, espaço para crescer significativamente. Há defasagem dos valores venais em muitas regiões e bairros da cidade, o que justifica a atualização da planta de valores. Há, também, a necessidade de cobrar o IPTU progressivo das grandes glebas ociosas e especulativas da cidade. É verdade que qualquer ação neste sentido terá forte oposição. Sua materialização vai depender de forte vontade e determinação política, enfrentamento da mídia e, até de longas e complicadas disputas judiciais. Será, sem dúvida, um necessário, mas longo e difícil caminho a ser percorrido.

Finalmente cabe assinalar que paira, ainda, uma outra "sombra" que ameaça, também, o futuro da cidade. Trata-se do que poderíamos chamar o "peso do passado", que são despesas absolutamente rígidas, sobre as quais não temos hoje nenhum controle e que são "heranças do passado". São elas o pagamento do serviço da dívida (juros e amortizações) e as despesas previdenciárias (pagamento de inativos e pensionistas). No Estado Rio Grande do Sul essas despesas comprometem 52% da receita corrente líquida anual e explicam, por si só, a falência das finanças estaduais. Na Prefeitura elas são hoje bem menores, representam pouco mais de um quinto da receita corrente e certamente, crescerão nos próximos anos e poderão, se as atuais tendências não forem revertidas, no médio prazo (cerca de dez, 15 anos) comprometer o futuro das finanças da capital. Há pouco mais de dez anos o serviço da dívida comprometia 1,5% da receita corrente; o balanço de 2005 registra 5,2%, percentual razoável que indica a necessidade de cautela em decisões futuras de tomada de novos empréstimos. Outra grande preocupação é o crescimento dos gastos com o pagamento de inativos e pensionistas. Igualmente o comprometimento da receita corrente com este encargo cresceu: passou de 12% (1992), para 16,5% no ano passado. E este encargo crescerá, expressivamente nos próximos anos porque o município, além dos 6 mil inativos (seu encargo atual), tem mais 18 mil servidores ativos que ingressaram antes da mudança de regime previdenciário e que irão se aposentar à conta do tesouro municipal. A manutenção dos atuais níveis de serviços municipais e o atendimento ou a expansão de novas demandas dependerá, certamente, de futuras alterações na estrutura tributária, da vontade política para enfrentar resistências e explorar "espaços" (exemplo do IPTU) e, sobretudo, da revitalização da economia da cidade.

* Texto constante do caderno "Com Fogaça, Porto Alegre mudou para pior - Balanço crítico 2005-2006", organizado pelo Diretório Municipal do PT

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